O cristão e o trabalho
Autor: Paulo Cesar
Como o cristão deve encarar o trabalho?
Essa é uma pergunta que raramente é feita, o que é estranho já que o trabalho, geralmente, toma a maior parte de nosso dia. Acredito que o desinteresse pela questão gera uma compreensão muito pobre, e na maioria das vezes, distorcida do assunto.
O trabalho geralmente é visto como algo secular, que nada tem a ver com a espiritualidade. Tal pensamento não poderia estar mais longe da verdade bíblica.
A falta de ensino e reflexão tem levado os cristãos a duas perspectivas prejudiciais com relação à questão. A primeira é ver o trabalho somente como uma forma de pagar as contas e pôr alimento na mesa, nesse caso a atividade profissional é somente um meio de sobrevivência. Os que são afetados por essa visão geralmente entendem que em um “mundo perfeito” não precisaríamos trabalhar. Desconsideram a indicação de Isaías de que no mundo porvir nos ocuparemos com trabalho (Is 2.4).
Essa forma de pensar sobre o trabalho pode produzir a falta de vontade em exercer sua função e a motivação passa a ser unicamente o salário. A segunda, totalmente oposta à primeira, porém igualmente prejudicial, é ter no trabalho uma obsessão. Entronizar o trabalho acima de quase tudo, deixando que ele dite o ritmo da vida. A obsessão pelo trabalho nos leva a abstenção do descanso, falta de tempo para a família, prejuízo nos relacionamentos pessoais, falta de tempo para oração e leitura bíblica, dentre outros problemas.
A grande verdade é que o pecado toca cada área de nossas vidas, com a forma que exercemos nossas profissões não é diferente. A partir do momento que começamos a seguir a Cristo devemos repensar nossa vida como um todo, à luz da Palavra de Deus.
Então, o que a Bíblia tem a dizer sobre o trabalho?
Começando pelo começo
E no começo de tudo vemos que o trabalho é um propósito de Deus para o homem.
“ainda não tinha brotado nenhum arbusto no campo, e nenhuma planta havia germinado, porque o Senhor Deus ainda não tinha feito chover sobre a terra, e também não havia homem para cultivar o solo.” — Gn 2.5
Perceba que os dois elementos necessários para que o solo começasse a produzir eram a chuva e o trabalho. No verso 15 temos a segunda referencia ao trabalho, “O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo.”. Note como Deus chama o homem para, não somente ser um espectador, mas participar ativamente do processo de criação. Ele poderia ter criado tudo pronto? Sim, poderia. Mas ao invés disso ele chama o homem para de alguma forma trabalhar com ele e ser participante no processo que estava em desenvolvimento.
No início dos tempos a principal atividade era cultivar a terra. O tempo passou, a humanidade se multiplicou, a tecnologia foi aprimorada, mas o trabalho não perdeu sua importância. A forma como entendemos o trabalho molda a sociedade em que vivemos. Economias podem crescer ou ficar estagnadas dependendo da forma como essa atividade é pensada.
Existe uma compreensão errada, que gosto de chamar de “Teologia Sr Madruga”, que vê o trabalho como uma maldição consequente da queda. É verdade que com o pecado houve mudanças, como verificamos a partir do verso 17 do capítulo 3, mas essas mudanças não tornaram o trabalho algo ruim, assim como as mudanças no parto (3.16) não tornaram a gravidez ruim, ambos ainda são projetos de Deus e uma bênção na vida humana. As consequências do pecado são vistas claramente na forma como as relações de trabalho acontecem, no sofrimento e desvalorização do esforço e queda de produtividade, mas isso não deve nos desanimar. Somos convocados a não nos conformar com o padrão do mundo ( Rm 12.2)
O efeito do pecado transformou nossa sociedade em consumidora, indo na direção contraria do projeto original de uma sociedade produtora, ativa. A ordenança de ir e produzir, criar e dominar foi esquecida.
É verdade que nem todas as atividades criam e produzem bens. Mas não pense que seu emprego tem menor valor por causa disso. Por mais simples que seja, ele agrega valor a sociedade assim como Adão através do cultivo da terra. Do engraxate ao empresário, se você é pago pelo que faz está agregando valor social.
Servindo através do serviço
E não somente agregar valor a sociedade, mais do que isso, o trabalho é um meio de servir e adorar a Deus. “Será? Isso não parece certo…”, mas é! Vamos ler o que Paulo escreve na sua carta para a igreja de Colossos. Primeiro ele nos dá a seguinte recomendação, “Tudo o que fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai.” — Cl 3.17. Ou seja, tudo, e tudo cobre tudo, o que fizermos devemos fazer em Cristo, e assim engrandecer ao Pai. Mais a frente Paulo fala especificamente do trabalho, ainda que ele esteja tratando da relação escravos/senhores* os princípios podem ser aplicados a qualquer relação de trabalho dos dias atuais. Eis o que ele diz,
“Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo.” — Cl 3.23,24
E a pergunta que fica é: “Como posso servir a Deus através do meu trabalho?” Acho que a resposta está no próprio verso 23, “façam de todo o coração”. Quem faz de todo coração é dedicado, está sempre mirando a perfeição, não se satisfaz com o medíocre, mas busca a excelência sempre. Podemos aprender com Bezalel e seus companheiros artesãos, aos quais Deus encheu do Espírito, concedendo-lhes destreza e habilidade para executar o trabalho no Templo. O Senhor queria destes homens um trabalho excelente.
Se buscarmos a excelência, não só no trabalho mas em tudo que realizarmos, cumpriremos a missão proposta por Paulo, “…assim tornem atraente, em tudo, o ensino de Deus, nosso Salvador.” — Tito 2:10.
Quando trabalhamos de forma séria e dedicada damos um bom testemunho e despertamos a atenção dos que estão em nossa volta para a mensagem que trazemos. Lembra da mulher virtuosa descrita em Provérbios 31? Já reparou o quão sério essa moça encara o trabalho e o quanto ela é exaltada por isso?
“Uma esposa exemplar; feliz quem a encontrar! É muito mais valiosa que os rubis.
Seu marido tem plena confiança nela e nunca lhe falta coisa alguma.
Ela só lhe faz o bem, e nunca o mal, todos os dias da sua vida.
Escolhe a lã e o linho e com prazer trabalha com as mãos.
Como os navios mercantes, ela traz de longe as suas provisões.
Antes de clarear o dia ela se levanta, prepara comida para todos os de casa, e dá tarefas as suas servas.
Ela avalia um campo e o compra; com o que ganha planta uma vinha.
Entrega-se com vontade ao seu trabalho; seus braços são fortes e vigorosos.
Administra bem o seu comércio lucrativo, e a sua lâmpada fica acesa durante a noite.
Nas mãos segura o fuso e com os dedos pega a roca.
Acolhe os necessitados e estende as mãos aos pobres.
Não receia a neve por seus familiares, pois todos eles vestem agasalhos.
Faz cobertas para a sua cama; veste-se de linho fino e de púrpura.
Seu marido é respeitado na porta da cidade, onde toma assento entre as autoridades da sua terra.
Ela faz vestes de linho e as vende, e fornece cintos aos comerciantes.
Reveste-se de força e dignidade; sorri diante do futuro.
Fala com sabedoria e ensina com amor.
Cuida dos negócios de sua casa e não dá lugar à preguiça.
Seus filhos se levantam e a elogiam; seu marido também a elogia, dizendo:
“Muitas mulheres são exemplares, mas você a todas supera”.
A beleza é enganosa, e a formosura é passageira; mas a mulher que teme ao Senhor será elogiada.
Que ela receba a recompensa merecida, e as suas obras sejam elogiadas à porta da cidade.” — Provérbios 31:10–31
O texto é muito claro. Dentre outras qualidades, ela é engrandecida por ter prazer no trabalho, ser uma boa administradora, saber investir, visar o lucro, trabalhar duro e suprir as necessidades dos mais pobres (o que só pode fazer aquele que se dedica ao trabalho). Essa mulher não é só um exemplo para as esposas, como de costume ensinam. Ela é um exemplo para todos os que desejam agradar a Deus através através do trabalho.
Uma reflexão
A forma como trabalhamos deve testemunhar quem somos e para onde vamos. Muitos de nós passamos mais tempo no trabalho do que em casa ou na igreja, precisamos refletir sobre as formas de adoração nesse tipo de ambiente. Devemos buscar glorificar a Deus em todas as esferas de nossa vida, não podemos confinar nossa espiritualidade a um ambiente especifico. Somente quando adoramos ao Senhor com toda a nossa vida, brilhamos de tal maneira diante das pessoas que, vendo nossas obras, darão glória a nosso Pai que está nos céus.
Obrigado pela leitura!
Não cometa o anacronismo de pensar na escravidão da época em que o NT foi produzido como aquela, racial, desenvolvida no trafico do atlântico.
Todas as citações bíblicas foram feitas com a Nova Versão Internacional.